Sábado de manhã, Rio chuvoso e violento, tédio tédio tédio. Pego o telefone
- Julia, vem aqui pra casa?
- Não, vem você para cá.
- Ah porque?
- Preguiça de andar até ai.
- Eu te trago no colo.
- Ta... Vamos ver um filme?
- Terror.
- Comédia.
- Ah não.
- Quero ver ‘Pequena Miss Sunshine’.
- A gente já viu
- E daí?
- Quero ver ‘Um ensaio para a cegueira’.
- Não mesmo.
- Por favor, Julia.
- De jeito nenhum.
- Não vou ver Pequena Miss Sunshine de novo.
- Ta, a gente se encontra na locadora.
Depois de 40 minutos na locadora, finalmente saem os dois filmes (aventura, e drama). Chego na casa dela, dois beijinhos na minha segunda mãe. Pulamos no “sofá”. O tempo passa rápido, o tédio ainda é tédio, mas agora já não é tão chato. Parece que fazer nada na casa dela, é diferente de fazer nada na minha casa.
Abro a geladeira, pego as coisas, lavo louça, tenho escova de dente, pijama. Vou tomar banho, e a ultima toalha que usei ainda esta pendurada no box, como se soubessem que não passaria dois dias sem passar por lá. Pego o controle, já sei onde está, pause no filme, atendo o telefone.
Afinal, como não me sentir em casa, num lugar onde passo tanto tempo quando aqui onde estou agora? Como não me sentir em casa em um lugar onde chego em 5 minutos, e sou recebida como moradora da casa? Como não se sentir em casa, quando se está com sua família?
Se fosse aqui, com meu irmão, meu pai e minha mãe, assistir ídolos, comer pão de queijo mutante, ouvir aquele CD (que você sabe qual é, haha), jogar the sims, seria chato. Mas parece que não são as coisas que fazemos que tornam nossos dias divertidos, e sim com quem fazemos.
“Mãe, vou para a casa da Ju”. Quantas vezes por semana digo isso? Pelo menos uma, nem que seja apenas 30 minutos na sexta feira, antes do treino. “Paula, você vai dormir em casa”, ela diz. E acabo que durmo em casa mesmo... pego minha almofada rosa de coração, e meu lençol do mickey, na verdade to na casa da Julia, ta, to na minha também... minha mãe não especificou em qual das minhas casas era para eu dormir.
Hà 13 anos atrás, a primeira vez que dormi na casa dela, tinha 2 anos de idade, e chorei quando minha mãe foi embora. Não choro mais, alias, faço de tudo para me livrar um pouquinho de meus pais, do estresse e das obrigações, e ir passar um tempo com a Júlia, nem que seja só para observar enquanto ela arrumar o quarto.
As pessoas perguntam se acho que vai ser para sempre, perguntam se eu não canso dela, perguntam se eu não tenho vontade de matar ela as vezes. Claro que canso, claro que vai ser para sempre, claro que da vontade de matá-la. Como não se irritar com todas as ações metódicas e chatas dela? Como não se irritar com o barulho que ela faz quando come chocolate, com sua lerdeza, os complôs com a Vitória, e a preguiça de andar até lá em casa comigo?
Ao mesmo tempo, como não adorar alguém que te faz rir com as coisas mais idiotas do mundo, que até xinga seu irmão por você, que conhece sua família inteira, e sabe os nomes e sobrenomes, alguém que não se importa quando você atende a porta com a cara toda amassada de sono, e quando não tem nada para comer na sua geladeira. E... Como não adorar sua irmã?
São 14 anos de briga, de choro, de bronca, de irritação, de sono, de tédio, de dança, de riso, de tapa, de presentes, de brincadeiras, de amigos, de família... são 14 anos de locadora, de fofoca, de segredo, de implicância, de passeio, de almoço, de jantar, de internas, de viagens... são 14 anos de música, de livro, de filme, de machucado, de medo, de clube, de turma, de apelidos...
Já são 14 anos de Julia.